6 poemas mais famosos da literatura brasileira – parte 1
Na literatura brasileira encontramos um mar de pérolas poéticas por isso, acredite, compor essa lista com apenas doze poemas consagrados foi das tarefas mais árduas que se pode ter.
Versos de amor, de solidão, de amizade, de tristeza, autores contemporâneos, românticos, modernos… são tantas as possibilidades!
Soneto de Fidelidade (1946), de Vinicius de Moraes
Um dos mais famosos poemas de amor da literatura brasileira é o queridinho de muitos apaixonados ao longo de gerações.
Escrito pelo poetinha Vinicius de Moraes, ao contrário do habitual na lírica amorosa, aqui o eu-lírico não promete amor eterno nem garante que permanecerá apaixonado até o fim dos seus dias.
Antes, o sujeito poético promete amar em absoluto, na sua plenitude e com todas as suas forças enquanto o afeto durar.
Ao longo dos versos ele garante a entrega (mas não necessariamente a longevidade da relação).
Ao comparar o seu amor ao fogo, o eu-lírico reconhece que o sentimento é perecível e que, assim como a chama, se apagará com o tempo.
Mas o fato de ser uma ligação provisória não retira a beleza do sentimento, antes pelo contrário: por ser efêmero é que o sujeito poético proclama a necessidade de ser intenso e aproveitar cada momento.
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
6 poemas mais famosos da literatura brasileira – parte 1
Poema No Meio do Caminho (1928), de Carlos Drummond de Andrade
O polêmico poema de Carlos Drummond de Andrade publicado em 1928 foi inicialmente pouco compreendido e até mesmo repudiado devido ao excesso de repetições (afinal, dos dez versos, sete contém a famosa expressão “tinha uma pedra”).
Fato é que o poema em pouco tempo acabou por entrar no imaginário coletivo principalmente por tratar de uma circunstância comum a todos nós: quem é que nunca encontrou uma pedra no meio do seu caminho?
Os versos tratam dos empecilhos que vão surgindo ao longo do nosso percurso e de como escolhemos lidar com esses pequenos (ou grandes) imprevistos que nos deslocam do nosso itinerário inicialmente idealizado.
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Vou-me embora pra Pasárgada (1930), de Manuel Bandeira
Quem é que um dia não teve vontade de mandar tudo para o espaço e fazer as malas rumo à Pasárgada?
O poema lançado em 1930 fala diretamente a cada um de nós que, um belo dia, diante de um aperto, teve vontade de desistir e partir em direção à um lugar distante e idealizado.
Mas afinal, você sabe onde fica Pasárgada?
A cidade não é propriamente imaginária, ela de fato existiu e foi a capital do Primeiro Império Persa.
É pra lá que o eu-lírico pretende escapar quando a realidade presente o sufoca.
O poema de Bandeira é marcado, portanto, por um desejo de escapismo, o sujeito poético anseia alcançar liberdade e descanso em um lugar onde tudo funciona em plena harmonia.
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe – d’água.
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
– Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Poema sujo (1976), de Ferreira Gullar
O Poema sujo é considerado a obra-prima do poeta Ferreira Gullar e foi concebido no ano de 1976, quando o criador estava no exílio, em Buenos Aires.
A extensa criação (são mais de dois mil versos) narra um pouco de tudo: desde a origem do poeta, até as suas crenças políticas, o seu percurso pessoal e profissional e o seu sonho de ver o país encontrar a liberdade.
Marcadamente autobiográfico, o Poema sujo é também um retrato político e social do Brasil dos anos setenta marcado pela ditadura militar.
Que importa um nome a esta hora do anoitecer em São Luís
do Maranhão à mesa do jantar sob uma luz de febre entre irmãos
e pais dentro de um enigma?
mas que importa um nome
debaixo deste teto de telhas encardidas vigas à mostra entre
cadeiras e mesa entre uma cristaleira e um armário diante de
garfos e facas e pratos de louças que se quebraram já
um prato de louça ordinária não dura tanto
e as facas se perdem e os garfos
se perdem pela vida caem pelas falhas do assoalho e vão conviver com ratos
e baratas ou enferrujam no quintal esquecidos entre os pés de erva-cidreira
Saber viver (1965), de Cora Coralina
Simples e singela, essas são as características-chave da lírica da goiana Cora Coralina.
A poeta começou a publicar os seus versos quando tinha 76 anos de idade, também por esse motivo vemos no seu trabalho um tom de sabedoria do vivido, de quem passou pela vida e recolheu conhecimento ao longo do percurso.
Saber viver é um exemplar típico da poética da escritora e condensa em alguns poucos versos o que lhe parece essencial para o leitor.
Trata-se de uma reflexão sobre a vida feita a partir de um vocabulário descomplicado e com uma sintaxe informal.
É como se o eu-lírico se sentasse ao lado do leitor e partilhasse com ele aquilo que extraiu de conhecimento ao longo do caminho.
Vemos nos versos o destaque para a vida em comunidade, para a partilha, para o sentimento de entrega e comunhão com o outro – é justamente a partir desse encontro que surgem os momentos de maior fruição.
Não sei…
se a vida é curta
ou longa demais para nós.
Mas sei que nada do que vivemos
tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita,
alegria que contagia,
lágrima que corre,
olhar que sacia,
amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo:
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
não seja nem curta,
nem longa demais,
mas que seja intensa,
verdadeira e pura…
enquanto durar.
6 poemas mais famosos da literatura brasileira – parte 1
Retrato (1939), de Cecília Meireles
A poesia de Cecília é assim: intimista – quase como uma conversa a dois -, autobiográfica, autorreflexiva, construída a partir de uma relação de intimidade com o leitor.
A sua lírica também gira muito em torno da transitoriedade do tempo e de uma reflexão mais aprofundada acerca do sentido da vida.
Em Retrato encontramos um poema que oferece ao leitor uma visão do eu-lírico autocentrado, congelado no tempo e no espaço através de uma fotografia.
É a partir da imagem que a reflexão é tecida, e, fomentada por essa criatura retratada na fotografia, são despertados os sentimentos de melancolia, de saudade e de arrependimento.
Encontramos nos versos pares opositores: o passado e o presente, o sentimento de outrora e a sensação de desamparo atual, o aspecto que se tinha e o que se têm.
O sujeito poético tenta entender ao longo da escrita como essas transformações bruscas se deram e como lidar com elas.
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Fonte: Cultura Genial