Dor, sofrimento e libertação – Como proceder?
Outro dia fiz uma pequena pesquisa entre amigos de 25 a 35 anos sobre a dor.
Pessoas bastante esclarecidas e com uma boa condição de vida.
Eram apenas 3 perguntas: qual a maior dor que já sentiu na vida?
Como você lida com a dor?
De 0 a 10, qual o grau de dor que sentiu nos últimos 6 meses.
Em resumo, utilizando a base de quem respondeu, (para a minha surpresa as 3 pessoas que não responderam são aparentemente as mais profundas e filosóficas) a dor sempre surge da perda.
Seja de pessoas queridas ou risco de perder a própria vida, da identidade, da matéria, da confiança em si e no outro, do caminho.
Perda de coisas que, de certa forma, nos fazem perder a referência e as certezas de quem somos e do que estamos fazendo.
Alguns a evitam, outros vão deixando passar, poucos mergulham nela e todos compreendem que ela é inevitável.
Ninguém disse, não tive nenhuma dor nos últimos 6 meses.
Dor, sofrimento e libertação – Como proceder?
Agora, respondendo à pergunta de alguns, de onde surgiu este tema?
Apesar de estar perto da filosofia budista há algum tempo e, por mais óbvio que pudesse parecer, começou a me saltar aos olhos o porquê a primeira afirmação de Buddha Shakyamuni, nas famosas 4 nobres verdades, é: o sofrimento existe.
Sem a qual também não existiriam as outras três: a verdade da origem do sofrimento; a verdade da cessação do sofrimento; a verdade do caminho que leva à cessação do sofrimento.
Também sempre tenho em mente a famosa frase: a dor é inevitável e o sofrimento opcional.
Tento ficar esperta para identificar a dor antes de deixá-la virar sofrimento, mas a verdade é que não é fácil.
O que venho percebendo é que na maioria das vezes a dor vira sofrimento, guardada silenciosamente em algum lugar sombrio da memória, ou gritando em pensamentos repetitivos.
Mas uma hora ela aparece, seja em forma de uma doença, de um ataque de raiva, um acidente e várias outras formas, geralmente destrutivas.
O tema de como lidamos com a dor começou a me saltar aos olhos, à medida que fui tendo uma grande amostra de como a meditação impacta na vida das pessoas.
Aquele momento só dela, de silêncio, onde as sensações e emoções relevadas são reveladas, como o sofrimento do corpo e da alma aparecem para serem acolhidos.
E comecei a me perguntar o porquê fazemos isso. Por que evitávamos a inevitável dor e sem perceber transformávamos está em sofrimento?
Toda vez que ficamos com pensamentos ruminantes e contra-factuais (o famoso “e se”), eles se repetem na nossa mente transformando a dor em monstros, lotando o nosso HD e sugando a nossa energia, nos causado uma grande exaustão, estresse e inúmeras doenças, além de acabar com os nossos relacionamentos.
Mas antes de chegarmos neste ponto, tentamos ser fortes, otimistas, manter uma boa imagem de nós mesmos e seguimos em frente.
Afinal de contas, enquanto não caímos, somos programados para seguir em frente.
Do que adianta sentar-se e chorar?
Realmente, nada.
Dor, sofrimento e libertação – Como proceder?
Agora, do que adianta também ignorar as nossas necessidades internas se aos poucos, nossa energia vai sendo minada por baixo das aparências, e a casa vai acabar caindo?
Evitamos a dor e desmoronamos no sofrimento.
Uma vala muito mais sutil e difícil de resolver.
Como uma mina de água que vai causando sulcos e formando um rio, só que sujo como esgoto, ao invés de limpo, com pensamentos positivos.
Nos momentos em que paramos apenas para prestar atenção na respiração de forma consciente, muito do nosso mundo interno emerge.
Estes minutos abrem espaço para que apenas prestemos atenção nas nossas reais necessidades através da observação, sem julgamento.
Ficamos presentes e ancorados alguns minutos no agora.
Muito bom!
Entretanto, diferente da atenção plena, onde o propósito é a estabilização para um descanso mental que abre espaço para silenciar um pouco as milhões de sinapses no cérebro, na minha experiência particular, estes momentos servem para eu observar a mim mesma e, quando aparece algo ruidoso, também para me perguntar: o que estou realmente sentindo?
Por que estou me sentindo desta forma? Tenho motivo real?
De onde vem isso?
Que necessidade minha não está sendo atendida por mim?
Sim, por mim, porque o mundo externo é apenas um espelho de como estou lidando internamente com as coisas.
Desta forma, vou reconhecendo e desprogramando minhas reações automáticas, eliminando ou ressignificando memórias doloridas e limpando os vírus do meu programa.
Passamos por estas situações todos os dias, mas temos uma preguiça enorme de meditar, refletir.
Estamos sempre fugindo, nos escondendo, nos distraindo de nós mesmos, daquele que estará sempre conosco e do qual nunca nos livraremos, nem na morte.
Hoje, algumas pessoas até usam a própria prática de meditação apenas para isso, como um calmante natural ou para fins terapêuticos.
Dos bons, sem dúvida, em alguns momentos chega até a dar um certo contentamento, glimpses de epifania e, realmente, produz bem-estar e melhora a saúde.
Porém, acredito que Buddha Shyakiamuni quando ficou dias sentado em meditação não estava só curtindo e relaxando.
Ao contrário, entre outras coisas, o grande cientista da mente, realizou a existência do sofrimento em todas as coisas, como também a existência de sua origem, e que se existe causa existe cura e cabe a nós encontrarmos o caminho para ela.
Ele quis descobrir a fonte do sofrimento para eliminá-los definitivamente.
A meditação é algo muito além da atenção plena (título de uma palestra de Lama Michel Rimpocheque também me inspirou a escrever este texto) .
Para mim é o verdadeiro caminho para a reconexão com a parte mais pura do nosso ser, que vamos redescobrindo a partir da compreensão da origem do nosso sofrimento, que está inevitavelmente dentro de nós, e a sua cura.
Assumir que somos responsáveis pelo nosso sofrimento é como mergulhar na lama, mas a recompensa sempre será o desabrochar do lótus.
fonte: Ana Cristina Koda
Após mais de 20 anos no caminho do autoconhecimento e da espiritualidade, resolveu compartilhar suas visões e experiências pessoais, frutos das práticas de meditação, através de seus artigos.
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