Como são ou devem ser avós de crianças doentes.
Leia esse “artigo” pois ele trata de assunto muito importante para nós avôs e avós.
Resumo
Diante do fenômeno do envelhecimento global, aumentaram-se as chances de três ou mais gerações coexistirem na família.
Com isso, os vínculos entre avós e netos também têm se tornado mais fortes e duradouros.
A literatura nacional já registra a influência do relacionamento e presença da terceira geração na família em contextos cotidianos, mas apenas dois estudos são encontrados na situação de doença do neto.
Buscou-se neste trabalho tecer considerações sobre o tema, respaldadas em publicações recentes, abordando o impacto e a experiência da doença do neto para os avós e o seu papel quando um neto está doente.
A partir disso, traçaram-se caminhos e perspectivas para novas pesquisas brasileiras que tenham o foco na figura dos avós na situação de doença do neto.
Acredita-se ser importante o avanço nessa área, de forma a promover o cuidado integral à criança e família baseado em sólida fundamentação científica.
Introdução
Atualmente, assistimos, no Brasil e no mundo, ao fenômeno do aumento da longevidade humana. Em 2000, a expectativa de vida do brasileiro era de 68 anos; em 2011, dados do IBGE indicam que esse número subiu para 73.
Com isso, a sociedade vem experimentando uma transformação no âmbito dos relacionamentos familiares, principalmente no que diz respeito às relações intergeracionais.
Os avós têm se tornado avós mais cedo e vivenciado esse papel por mais tempo. Hoje, eles são considerados “hábeis”, isto é, em idade adequada ou mais comum para o desempenho do papel, ao tornarem-se avós pela primeira vez entre os 39-60 anos.
Os avós precoces são aqueles que têm netos antes de completarem 38 anos.1 Nos Estados Unidos, cerca de 50% tornam-se avós entre 49 e 53 anos.
Na França, estima-se que 80% dos avós tenham mais de 65 anos e, destes, 50% se tornarão bisavós.
Na Inglaterra: 50% dos avós têm menos de 65 anos.2 Vê-se, com isso, que hoje é grande a probabilidade de três ou até mesmo quatro gerações coexistirem na família.
Além disso, com o aumento no número de divórcios, a inserção da mulher no mercado de trabalho, o crescente índice de pais solteiros e, em nosso país, o custo elevado das escolas de educação infantil, tem-se percebido aumento na importância dos avós nos núcleos familiares.
Eles, agora mais jovens, têm se tornado mais ativos e participativos nas famílias.
Estudos indicam que os avós são a principal alternativa e opção de confiança das mães para que elas possam desempenhar atividades profissionais e pessoais.1-3
Com a participação mais atuante, o envolvimento afetivo e relacional com os netos é inevitável e ainda mais intenso, o que traz consequências positivas para todos da família, mas também pode trazer conflitos caso não haja comunicação aberta e franca acerca dos papéis e limites dos avós na família.1-3
Pesquisas nacionais já reconhecem o papel e a influência dos avós nas famílias e as transformações no relacionamento entre avós e netos e dos avós com seus filhos adultos, trazendo evidências do quanto esse relacionamento é importante e pode determinar mudanças e direcionamentos no cotidiano familiar.
Em situações de transição do ciclo de vida familiar, como a maternidade das filhas e/ou noras, as avós exercem importante influência e têm sido esses os momentos de mais interesse dos pesquisadores em nossa literatura atualmente.4-6
Recente estudo investigou a importância dos relacionamentos intergeracionais na família de uma criança que possui necessidades especiais.
Nesta pesquisa, as autoras encontraram que famílias nesse contexto contam com os avós como uma das fontes principais de suporte e que estes, por sua vez, adiam ou abandonam planos (viagens, aposentadoria) para que possam dedicar-se sacrificialmente à família do filho.
Como são ou devem ser avós de crianças doentes.
As autoras referem ter encontrado ainda preocupação tripla por parte dos avós – com o filho, com o neto doente e com os irmãos saudáveis – e que, de forma geral, os sentimentos diante da condição especial do neto são semelhantes aos dos pais, mas com menos possibilidade de ser compartilhado, dividido e, consequentemente, cuidado.7
Esses dados acima são inéditos no contexto brasileiro, sendo encontrado apenas um outro artigo até o momento que tenha avaliado a experiência dos avós quando um de seus netos está doente.8
Neste último, o sofrimento dos avós é evidente e levanta a necessidade de mais investigações com essa população, que tem sido pouco acessada em contextos de doença no Brasil.
As autoras destacam que os avós não têm sido ouvidos ou considerados parte do cuidado pelos profissionais, ainda que num contexto centrado na criança e na família.
Diante das evidências encontradas na literatura nacional, percebe-se a importância que os avós exercem na família e o impacto que os relacionamentos intergeracionais podem exercer na dinâmica familiar em situações cotidianas, mas ainda é tímido o movimento dos pesquisadores brasileiros em investigar esses relacionamentos em contextos de doença.
No entanto, a literatura internacional já traz maior número de estudos que têm os avós não só como foco, mas também como sujeitos de pesquisa, e dentro do âmbito de doença ou hospitalização de um de seus netos.
Diante do exposto, o que se pretende com este artigo é estimular e encorajar o desenvolvimento de estudos brasileiros a partir dessa nova perspectiva: os relacionamentos intergeracionais, quando uma criança está doente.
Trata-se de um ensaio reflexivo, construído a partir de literatura científica recente, visando oferecer subsídios para compreender um pouco melhor esse tema e gerar novas perguntas e perspectivas de pesquisas também para a nossa sociedade.
O impacto e a experiência da doença do neto para os avós
Diante de uma enfermidade grave, os avós descrevem seus sentimentos de forma semelhante aos próprios pais: choque, angústia, profunda tristeza e medo são alguns dos exemplos das reações narradas.9
Para eles, ver o neto doente é contrário a tudo o que eles imaginavam e sonhavam para a avosidade, e o sonho de ser avô é, muitas vezes, despedaçado pelo diagnóstico.
A literatura descreve a experiência dos avós nesse contexto como um sofrimento dobrado: sofre-se pelo neto, mas também por ver o filho passando por uma situação tão dolorosa.9-11
Estudo ampliou essa descrição para um sofrimento triplicado, pois, além destes já mencionados, os avós também sofrem ao ver os outros netos – irmãos saudáveis – sendo inevitavelmente atingidos pela experiência.12
Apesar de tamanha carga emocional que é depositada sobre eles diante disso, vê-se em estudos norte-americanos que os avós acreditam que devem segurar as próprias emoções; dessa forma, acreditam que estão ajudando a família do filho adulto, pois não se tornam um fardo adicional e, ao suprimirem as próprias emoções, esperam se mostrar mais disponíveis e fortes para apoiar o filho.9,11
No entanto, essa atitude é, com frequência, custosa, pois os avós não encontram outras fontes de suporte ou meios para comunicar seus sentimentos, o que desencadeia problemas físicos e emocionais.
Recente estudo que investigou a prevalência de estresse em 221 avós, sendo 87 avós de crianças com câncer e 134 controles, encontrou que os avós de crianças com câncer são significativamente mais expostos ao estresse e mais propensos a desenvolver depressão e outros sintomas psíquicos.13
Entre as necessidades dos avós, a informação e a inclusão são as mais críticas.
Os avós recebem informação sobre o estado de saúde do neto principalmente por intermédio dos filhos, mas sentem-se insatisfeitos por não serem considerados parte da família pelos profissionais a ponto de serem também incluídos no compartilhar de informações.
Os avós gostariam de receber informações sobre a saúde do neto da própria equipe de saúde e ter acesso direto a eles para esclarecimento de dúvidas que, muitas vezes, eles têm, mas os filhos não.10-11
Ainda que sejam cuidadores ou revezem com os pais durante a hospitalização, os avós percebem que a equipe frequentemente espera os pais chegarem para passar informações ou, então, as transmite aos avós de forma rápida e superficial, esperando os pais chegarem para então dar o relatório completo.
Sentem-se negligenciados e colocados de lado pela equipe, o que aumenta seu sofrimento e sensação de isolamento.9-12,14
O papel dos avós quando um de seus netos está doente
Diante do adoecimento dos netos, os avós investigados em diferentes culturas e contextos indicam acreditar que seu papel principal é estar presente para suprir as necessidades da família do filho.10-12,14-15
Os avós não hesitam em querer ajudar. Ao serem indagados sobre a experiência, com frequência relembram mudanças importantes em suas rotinas e cotidiano com a chegada da doença e durante o tratamento.12,15
É como se a própria vida fosse colocada em segundo plano.
Colocam-se à disposição para darem todo o suporte prático, instrumental, financeiro e emocional que a família do filho precise para acomodar as novas exigências advindas da doença.
Tomam para si a função de coordenar a casa dos filhos e todas as demandas da família deles para que eles possam se concentrar no cuidado à criança doente.
Como parte desse papel, os avós cancelam ou adiam planos que faziam para si próprios e passam a apoiar o filho incondicionalmente.11,15
Tomam para si a responsabilidade de cuidar dos outros netos para que o filho possa se dedicar integralmente ao filho doente e buscam manter a vida da família fluindo o mais normal possível.
Estudo indicou como incumbência dos avós manter a família unida, ou seja, ser o elo entre o que acontece dentro e fora do hospital e mantendo o equilíbrio principalmente para que o neto doente e os saudáveis recebam a atenção devida dos pais.14
Como são ou devem ser avós de crianças doentes.
Além disso, alguns estudos indicam que os avós tomam para si a difícil tarefa de ouvir as narrativas de sofrimento dos filhos e cônjuges que atravessam a experiência de ter o filho doente.9-10,14,15
Essa tarefa é, com frequência, muito custosa para os avós, uma vez que aumenta neles o sentimento se impotência e angústia diante da doença do neto.
Além disso, a carência de fontes de suporte para os avós já mencionada antes, aliada ao peso de ouvir o sofrimento dos próprios filhos, potencializa neles o sofrimento e isolamento na experiência.
Todo o suporte, presença e apoio dos avós parece ser bem-recebido e necessário para a família.10-12,14,15
No entanto, existe um desafio aos avós de, como tais, reconhecer que alguns limites existem e devem ser observados para que o relacionamento não se torne conflitante.
Reconhecem a importância de entender a independência e autodeterminação dos pais da criança doente, respeitando suas decisões e autonomia, equilibrando com conselhos e com o desejo de estarem sempre presentes.10,14,15
Os avós seguem apoiando no que for possível e necessário, muitas vezes sendo até a força que sustenta os demais da família, mas tem que entender e respeitar que a responsabilidade maior, e quem vai à frente, são os pais.
Caso contrário, conflitos e sofrimento adicionais serão inevitáveis.
À guisa de conclusão: Novos caminhos para pesquisa no Brasil
Diante do exposto, em que foi feito um panorama do que vem sendo investigado dentro e fora do Brasil com essa população, entende-se que os avós carecem de mais atenção dos nossos pesquisadores de saúde.
Estudos que tenham os avós como sujeitos de pesquisa e que suas experiências sejam o foco do estudo, em diferentes contextos de doença dos netos, são encorajados para que se possa ampliar o conhecimento da gama de sentimentos e emoções vividas por eles.
Além disso, estudos qualitativos com esse foco permitirão conhecer quais as verdadeiras demandas dessa população e qual a rede recursos disponível – ou não – para o enfrentamento da situação.
Os relacionamentos familiares dos avós também merecem ser investigados.
Como eram as relações antes e depois da doença, de que forma se modificam?
Relacionamentos com os pais da criança doente, com os outros filhos, com os netos saudáveis e o doente, de que forma se processam durante e após a doença?
Como fica o relacionamento entre o casal de avós quando o neto está doente?
A literatura apresentada indicou com clareza que os avós ainda não se sentem considerados parte da família pelos profissionais e que eles apreciam o reconhecimento do próprio sofrimento na experiência de doença do neto.
Sendo assim, são encorajados estudos que avaliem a perspectiva de profissionais de saúde em relação à participação e inclusão dos avós, pois uma nova forma de pensar a família deve atingir a equipe multiprofissional para que o cuidado seja ampliado e oferecido também aos avós.
Cabe ressaltar que, assim como renomadas pesquisadoras canadenses de família, não é o objetivo deste trabalho “romantizar” a figura dos avós;11 a própria literatura indica a presença e a possibilidade de conflitos que podem existir na família dentro e fora de situações de crise.
No entanto, o corpo de evidências científicas que refletem a influência e o impacto dos avós na família precisa ser considerado pelos profissionais, bem como o impacto da experiência nos avós.
A partir disso e desses avanços em pesquisas, pode-se pensar também, no Brasil, em intervenções ou até mesmo políticas públicas voltadas para os avós de forma a minimizar seu sofrimento e promover atenção integral à saúde.
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Fonte: Revista Mineira de Enfermagem