6 poemas mais famosos da literatura brasileira – parte 2.
Dando continuidade ao trabalho realizado pelo site Cultura Genial através da Rebeca Fuks Doutora em Estudos da Cultura… veremos as outras 6 pérolas da literatura brasileira.
Com licença poética (1976), de Adélia Prado
O poema mais famoso da escritora mineira Adélia Prado é Com licença poética, que foi incluído no seu livro de estreia chamado Bagagem.
Como era até então desconhecida do grande público, o poema faz uma breve apresentação da autora em poucas palavras.
Além de falar de si mesma, os versos também mencionam a condição da mulher na sociedade brasileira.
Vale lembrar que o poema é uma homenagem e faz referência a Carlos Drummond de Andrade porque usa uma estrutura semelhante ao seu consagrado Poema das Sete Faces.
Drummond, além de ter sido um ídolo literário para Adélia Prado, era também um amigo da poetisa novata e impulsionou muito a escritora principiante no início da carreira.
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Incenso fosse música (1987), de Paulo Leminski
Leminski foi um poeta recentemente redescoberto pelo grande público que provocou o encantamento imediato da audiência.
Sua lírica é construída a partir de uma sintaxe simples e de um vocabulário cotidiano e aposta na partilha com o leitor para se construir um espaço de comunhão.
Incenso fosse música talvez seja o seu poema mais celebrado.
Incluído no livro Distraídos venceremos, o poema é composto por apenas cinco versos e parece ser como uma pílula de sabedoria, apresentando um conhecimento de vida num espaço muito concentrado.
A composição trata da questão da identidade e da importância de sermos nós mesmos, sem nos deixarmos abater diante dos obstáculos que se apresentam.
O eu-lírico convida o leitor a mergulhar dentro de si próprio e a seguir em frente, apesar dos percalços, prometendo um futuro promissor.
isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
6 poemas mais famosos da literatura brasileira – parte 2.
Morte e Vida Severina (1954-1955), de João Cabral de Melo Neto
Um grande clássico da literatura brasileira, a obra Morte e vida Severina é a mais famosa do escritor do Recife João Cabral de Melo Neto.
Ao longo de muitos versos, o poeta nos narra a história do retirante Severino, um brasileiro como tantos outros que fugia da fome em busca de um lugar melhor.
Severino é um símbolo para falar de uma série de imigrantes nordestinos que precisaram sair do seu lugar de origem, o sertão, para procurarem uma oportunidade de trabalho na capital, no litoral.
O poema, trágico, é conhecido pela sua forte pegada social e é uma das obras-primas do regionalismo brasileiro.
Conheça um breve trecho do longo poema:
— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
O tempo (1980), de Mario Quintana
Mario Quintana está entre os poetas mais populares da literatura brasileira e talvez o seu enorme sucesso se deva a simplicidade dos seus versos e a capacidade de identificação com o público leitor.
O famoso poema O tempo tinha como título original Seiscentos e Sessenta e Seis, uma referência aos números contidos dentro dos versos que ilustram a passagem implacável do tempo e uma alusão bíblica ao número do mal.
Encontramos aqui um eu-lírico que, já ao final da vida, olha para trás e procura extrair sabedoria das experiências que viveu.
Como não pode voltar no tempo e refazer a sua história, o sujeito poético tenta transmitir através dos versos a necessidade de se aproveitar a vida sem se preocupar com o que é desnecessário.
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
Amavisse (1989), de Hilda Hilst
Hilda Hilst é uma das maiores poetisas brasileiras e recentemente começou a ser mais divulgada.
Suas composições em geral giram em torno do sentimento amoroso romântico e abordam aspectos como o medo, a posse e o ciúme.
Amavisse é uma boa prova da sua lírica não só porque aborda o seu tema principal como também porque denuncia o tom de entrega do eu-lírico.
O título escolhido inclusive é uma palavra latina que quer dizer “ter amado”.
Os versos dão conta de um amor fulminante, de uma paixão absoluta que domina o sujeito poético por completo.
Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro
Um arco-íris de ar em águas profundas.
Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.
Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.
6 poemas mais famosos da literatura brasileira – parte 2.
Versos íntimos (1912), de Augusto dos Anjos
O poema mais famoso de Augusto dos Anjos é Versos íntimos.
A obra foi criada quando o escritor tinha 28 anos e está publicado no único livro lançado pelo autor (chamado Eu).
Pesado, o soneto carrega um tom fúnebre, um ar de pessimismo e de frustração.
Através dos versos podemos perceber como é a relação com aqueles que estão ao redor e como o sujeito se sente decepcionado com o comportamento ingrato dos que o cercam.
No poema não há uma saída possível, uma possibilidade de esperança – os versos compostos por Augusto dos Anjos em Versos íntimos são inteiramente negros.
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Fonte: Cultura Genial