Cantar é terapia para terceira idade.
Era dia de ensaio do Coral.
A turma estava completa, aguardando as últimas instruções da regente que acabara de chegar.
Os burburinhos mesclavam assuntos como repertório, receitas, dicas de passeios e cor da roupa da próxima apresentação.
Esta atividade, que acontece quinzenalmente às quartas-feiras, reúne um grupo de idosos na Associação de Pais e Amigos dos Surdos de Campinas (Apascamp), entidade parceira da Fundação FEAC.
A iniciativa integra também senhoras e senhores atendidos pela instituição e que têm a audição comprometida ou estão vivenciando o início do processo de perda.
E isso, na terceira idade, pode gerar angústia e problemas de comunicação, além de levar ao isolamento social progressivo que se não for cuidado chega à depressão.
“A formação deste Coro proporciona um espaço de convivência, fortalecendo vínculos e evitando assim situações de isolamento” destacou Natália Valente, assessora social do Departamento de Assistência Social da Fundação FEAC.
Cantar é terapia para terceira idade.
Quando se fala em pessoa com deficiência auditiva se pensa no surdo profundo, aquele não escuta e só se comunica por meio de Libras.
“Mas não é assim, a pessoa com deficiência auditiva vai desde a surdez mais leve até a mais profunda.
Parte deste idosos que frequentam a atividade musical tem presbiacusia, diminuição da capacidade de ouvir por causa do processo degenerativo relacionado ao envelhecimento natural do indivíduo”, esclareceu Kelly Cardoso Augusto, fonoaudióloga e coordenadora da Apascamp.
Segundo Kelly, os idosos demoram para procurar um especialista quando percebem que não estão ouvindo bem.
Esta falta de diagnóstico precoce, que avalia a perda da audição, pode agravar para a surdez definitiva.
“E quando isso acontece, a maior dificuldade é a aceitação do uso do aparelho.
Cantar é terapia para terceira idade
Para eles, o aparelho está relacionado com velhice muito avançada”, concluiu.
O Coral surgiu de um desejo da instituição.
Muitos dos atendidos já se sentiam muito solitários.
“O cantar é muito rico porque ajuda muito na parte auditiva.
Eles começam a prestar atenção em outros sons e isso melhora todo o processo auditivo.
Toda esta sintonia se faz no cérebro, é como se eles estivessem fazendo uma terapia para o ouvido”, salientou a fonoaudióloga.
Além disso, a convivência e a troca de experiências entre eles contribuem para que aceitem a realidade desta fase que estão vivendo.
Terapia cantada
Formado por 20 integrantes, o Coral da Apascamp é composto, em sua maioria, por mulheres com mais de 65 anos.
Dona Páscoa Vechiato, 75 anos, foi direcionada para cantar depois de fazer os exames audiológicos para diagnóstico
. Mas não entrou sozinha, levou a filha Fátima, de 56 anos, para lhe fazer companhia.
A regente é voluntária. Luíza Pereira Freitas, 20 anos, está no 3º ano de Regência, no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp.
O Coral da Apascamp não é o único coral para o qual a jovem dedica tempo e talento.
Segundo Luíza, atividades com música, além de serem um momento de descontração, promovem a interação entre as pessoas.
“Muitas pessoas não tiveram oportunidade de cantar quando eram mais jovens.
Além disso, os idosos são animados e interessados”, relatou.
“Eu gosto de ocupar minha semana inteira como se eu fosse trabalhar.
E como estava com um dia vazio eu resolvi vir cantar aqui na Apascamp”, explicou Maria Vita Siqueira, 70 anos.
O repertório do ensaio é composto por música popular brasileira (MPB), cirandas e cantigas.
“Muitas das músicas que cantamos são nossas velhas conhecidas.
Mas com o arranjo que a regente faz ficam mais bonitas”, comentou Dona Aparecida Domingos Ferreira.
A senhora de 78 anos confessa que sua canção predileta é uma do Almir Sater, com a qual se identifica.
E sorridente arrisca a primeira estrofe “Ando devagar porque já tive pressa…”.
O aquecimento começa.
Depois da respiração alta e baixa os integrantes inspiram e soltam o ar nas letras s, f, x. Já preparados, abrem não só as pastas com as letras das músicas, bem como os pulmões para entoar o baião, ‘Eu só quero um Xodó’, do compositor pernambucano Dominguinhos.
fonte: razões para acreditar